Estou só.
Perdi tudo.
Restam- me:
Vagas Lembranças do Passado
A Dor do Presente
Vagas Esperanças no Futuro.
Lisboa, 02/01/97
Tenho noção da utilidade de um vaso antes de lhe pôr dentro uma planta. O cabide traz-me à memória o casaco que lhe visto sem que eu precise de estar a ver o casaco. A frigideira não precisa do ovo para que eu conheça a sua função. O bengaleiro já sabe, quando eu entro, que lhe vou deixar o guarda-chuva; o sofá já espera o meu cansaço, a minha indolência incurável ao fim da estafa do dia. Cada objecto conserva gravado o propósito para o qual se viu feito. Mas que uso há em mim e no meu cansaço e na minha presença fastidiante impondo-se a todas as coisas? Que utilidade eu tenho que me dê sentido de uma forma inata como o que recebe cada objecto que eu uso? Para que sirvo? Porquê?
Eis então a razão que há na arte. Por mim, o ideal Dada desconstruiu o mundo para entender, para cada sujeito, qual o seu objecto, qual a peça que justifica o Homem que surgiu. Desmontado o carro, posso entender, talvez, a razão do motor. Senão, reiventá-lo na sua funcionalidade: desmantelo a arbitrariedade de outros para instituir a minha função que será então original. Da antiga decadência reconstruo a minha originalidade, o meu eu funcional, justificável por se reger por mim. Dos desperdícios de outros, faço a minha evolução única. De um urinol de leis que outros ditaram, reescrevo o mundo e faço a minha fonte.
Inversão de valores? Talvez. Mas, acima de tudo, conversão da minha unicidade no lugar central e insubstituível que deve ocupar na sociedade, na vida, no Universo.
(Lisboa, 05/01/03)
I
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
…
Pam-Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac!
Pam-Pam-Pam-Pac!
Pac-Pac-Pac-Pam!
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
Batentes!, Batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Batentes!, Batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite…
Parai…
Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac…Tic…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac …Tic…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac…Tic…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…
…
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas,
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Estar preso!
Ser apagado e morrer aceso,
Ser apagado e morrer aceso!…
…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…
…
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
…
Pára Tempo, pára!
Deixa de bater aos meus ouvidos!
Tu alimentas essa angústia rara
De fazer de Tudo um Nunca-Sido.
Ah!, relógio que bates sem cessar!
Que Mundo te sustenta?
– «É uma lei redigida sem vagar
E a mão cruel que a movimenta.»
Que tristeza!
Desperdício de horas!
E vou pôr-me à janela para melhor ver o que está fora…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
…
E que sou eu?
Que sinto?
Em mim o breu –
Será do absinto?
Oh!, Que sou eu?!
O que sou eu?!
Que sinto?! –
Um mal por dentro,
Um nó muito cerrado;
Um brusco movimento
Nos sentidos velados
Pela sombra que me mantém coberto.
(Em mim o breu –
Será do absinto?)
A mim não chega a claridade.
E um véu pesado causa grande aperto.
Entre o espaço e eu há uma grade.
Estou longe do que sou
Estive mais perto…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
…
Não sei onde vou.
O Futuro é incerto.
E há uma estranha e irreal realidade
Que me mantém sempre desperto.
Findou o sonho vago. Nada é Uno.
A criança perdeu-se no Passado.
Tudo o que antes foi agora é fumo
Pairando no deserto.
(Em mim o breu –
Será do absinto?)
(Em mim o breu –
Será do abcesso?)
(Estou longe do que sou,
Estive mais perto…)
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
Pudera eu…
Estou longe do que sou
Fui luz sou breu,
Estou longe do que sou,
Mas que sou eu?
Já esqueci tudo.
Montei na vida um estrado
Onde a cada dia represento
Novo papel,
Nova fantasia.
Estou confundido. Algo está errado.
O corpo que me coube é um pouco lento;
Não há ritmo neste Rapunzel,
Não há harmonia.
(Em mim o breu –
Será do absinto?)
(Em mim o breu –
Será da agonia?)
Sabê-lo? Como se me abandonei?
Se me confundo na Obscuridade?
Passo por tudo sem Destino ou Lei,
Leio nas Estrelas a Mendicidade…[1]
Sou um vagabundo, nu, entre a geada,
Sem refúgio da Vida, sem um coito
Que me abrigue desta Noite Gelada,
Que me albergue nesta Gelada Noite …
Oh!, Existencia, Sombra Estagnada,
Que te defines pelo sofrimento!
És uma noite sempre inacabada
Que se prolonga pelos dias dentro!
Ah, pára Tempo (Vil Tirano) pára!
Porque tanto insistes em bater?
Tu alimentas esta angústia clara
De sentir que estou a acontecer…
Mas não é mais que um parecer,
Mas não é mais que um perecer:
Sentir a dor que não pára
Parar a dor é morrer!
Parar a dor que não pára
Sentir o Corpo doer…
…
Sim, Tempo, pára!
Sim, Corpo, pára!
Oh, sim, morrer!
…
Sentir é só uma dor que nunca sara.
Ser é Não-Ser.
…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…
…
O Tempo corre mas a vida é parada,
O Tempo corre mas a vida é…
(O que é a vida,
O que é?)
A vida é nada,
A vida é nada,
A vida é nada…
(Em mim o breu –
Será do absinto?)
(Em mim o breu –
Será da derrocada?)
Sim. Tombou a minha alma…
“Ed è stato come se
Questo cielo in fiamme ricadesse in me,
Come scena su un attore…”
Ed è stato come se
Vivessi nel stupore,
Come cadessero gli astri sopra un fiore,
Brucciando un fuoco in me…
(Em mim o breu –
Será do absinto?)
(Em mim o breu –
Será falta de Fé?)
Porque tombou a minha alma…
Ah, ser indistinto do pó dos meus pés!
Quero queimar! Arder!
Tem calma…
Arder! (porque me minto),
Ceder ao meu instinto
Que age e não vê…
…
Calma,
Calma…
…
Perch’ è stato come se
Vivessi nel stupore,
Come cadessero gli astri sopra un fiore,
Brucciando un fuoco in me…
Calma,
Calma…
Signore, monsieur, distinto!,
Tenha a bondande, dê fogo!
Já se perdeu o que sinto
Mesmo se isso é tão pouco…
Mas ah!, que me importa?! Talvez se cure tudo!:
Se o espírito se evade na Quarta-Feira de Cinzas,
Então que ardamos o corpo no Entrudo!
Talvez o Demo lhe dê as boas vindas!
Calma,
Calma…
Então?
Traz fósforo o senhor?
Pois que queime!
É só barro e argila… –
Se puder eu ajudo!
Calma,
Calma…
Porquê a agitação?
Fala da dor?
Ora, não teime!
Impossível senti-la!
Tenho o corpo mudo…
Calma,
Calma…
Calou-se há anos… cem? Duzentos? Mais!
Selou-se com a palavra: FIM…
Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…
…
A decadência é total: Pareço lava.
E sinto-me ir descendo devagar
Para o fundo húmido de um poço,
Expulso do banco do balouço
Onde antes me sentava.
Porque antes eu era uma criança
Com o olhar sorvendo o Universo;
Antes tinha sonhos e Esperança…
Esperava o Bem… tive o seu inverso…
Pois não há Bem além de certos livros,
E eu estou tão cansado de leituras!
De sonhar com Brazis empedernidos
Além dos limites da Loucura!…
…
Não quero sonhar mais
Porque este sonho é falso.
Só as dores são reais,
O sofrimento é mais alto.
…
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Acabou o sonho!
Acabou o sonho!
Acabou o sonho!
Acabou!
Que a ilusão se apague do que sou,
Que a ilusão se apague do que sou,
Que a ilusão se apague do que sou…
Estou longe do que sou,
Estive mais perto,
O sonho acabou
E o real é deserto;
Estou longe do que sou,
Estive mais perto,
O sonho acabou
E o real…
O real sou eu a acontecer,
É a minha sensação…
Sou eu no meu caminho a conhecer
A minha solidão.
O real sou eu,
E o resto de mim que se perdeu,
É a ilusão desfeita pelo breu,
É a ilusão…
É o resto de mim que se perdeu,
É a minha solidão…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
…
Pam-Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac!
Pam-Pam-Pam-Pac!
Pac-Pac-Pac-Pam!
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas!
…
Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite…
Parai…
Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…
(Em mim o breu –
Será do absinto?)
Sim.Eu sinto ainda a dor;
E o Bem não existe,
E é dos livros o amor.
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Não quero sonhar mais
Porque este sonho é falso.
Só as dores são reais.
E o meu desgosto é mais alto…
Miserere, Misero me…
Però brindo alla vita…
Ma la vita,
Ah, la vita cos’è?
Tutto o niente,
Forse neanche un perchè…
(O que é a vida,
O que é?)
A vida é nada,
A vida é nada,
A vida é nada…
(Em mim o breu –
Será do absinto?)
(Em mim o breu –
Será da derrocada?
Sim. Tombou a minha alma…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…
…
O Tempo corre mas a vida é parada,
O Tempo corre mas a vida é…
Calma,
Calma…
Acabou o sonho –
Repito.
Morreu o menino da Infância imaginada;
Violado,
Espancado,
Escorraçado.
Forçado me ponho
Neste trono maldito:
Pareço estar à vida condenado…
A vida é parada,
Tudo é pesado.
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas!
…
Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parece noite fúnebre, parai!
Há uma ânsia em mim que não me sai;
Há uma ânsia em mim que pede paz;
Há uma angústia, um gemido, um ai;
Mas logo o calam pás deitando terra,
Mas logo o calam pás deitando terra,
Mas logo o calam pás…
A minha dor a mim mesmo me enterra,
O menino que eu fui mas não fui jaz
Dentro do meu peito,
Dentro do meu peito,
Vivo curvado, nunca estou direito,
Vivo curvado, nunca estou direito,
Vivo curvado…
Respirar é o meu único pecado,
Respirar é o meu único pecado,
Oh Deus que não existes,
Quando acabo?
Oh Deus que não existes,
Quando acabo?
Porquê ser triste?
Porquê ser escravo?
Oh Deus que não existes,
Porquê ser?
O real sou eu a acontecer,
O real sou eu…
O real é a dor a acontecer
E o resto de mim que se perdeu…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
…
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento, vento, vento…
…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…
…
Assombro!… O relógio ainda bate!…
…Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac! Pam-Pac!…
É o pulso; é o Tempo…
Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parai!
Oh, meu coração, és tu? És tu então?
Não!, não batas mais,
Não!, não batas mais,
Não!
Porquê persistir na Solidão?
Porquê persistir na Solidão?
Porquê persistir na Solidão?
Porquê?
Ser é Não-Ser
Por isso perece e sê.
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento, vento, vento…
…
Tudo é pesado.
A vida é parada.
O meu coração é um resto de nada
Que bate turbulento.
…
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Alegria!
Alegria!
Quem te ceifou?
Uma foice negra te cortou,
Uma foice negra te cortou,
Uma foice…
…
E a vida é parada.
Tudo é pesado:
Não ter sensação
Sentir-me domado.
Na lama da vida
Na lota do cais
Jazer sem saída
Gemer os meus ais.
No mar à deriva,
Prostrado na lama,
Cumprir a missiva
De um Domínio em chamas
Pois tudo é pesado
Parado no escuro,
Sentir-me agastado
Não ter um Futuro…
O meu sentir as coisas é desgosto puro!,
O meu sentir as coisas é desgosto puro!,
Dormi na vida, isolou-me um muro
Feito de braços de Homens rechaçados…
O meu sentir as coisas é pura agonia!,
O meu sentir as coisas é pura agonia!,
Tem o selo do Tenebror dos Dias
E o sangue de Homens esfacelados…
O meu sentir as coisas é casado com a noite!,
O meu sentir as coisas é casado com a noite!,
E levei ao respirar tamanho coice
Que me mantenho ainda atordoado…
Batentes!, Batentes!,
Calai a dor!, calai!
Porque há uma ânsia em mim que não me sai,
Há uma ânsia em mim…
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Batentes!, Batentes!,
Sejai Clementes,
Soai o Fim,
Sejai Clementes,
Soai o Fim,
Sejai clementes…
O sonho é curto
A dor é permanente,
O sonho é curto,
A dor…
…
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
…
Vento nas janelas.
Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
…
Infância, infância!
Surge da bruma!
Volta do torpôr!
Faz-me feliz, dá-me as horas belas,
Que nunca foram, que eu nunca senti…
Será que eu nunca aconteci?
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Criança que eu fui, regressa a mim!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Criança que eu fui, regressa a mim!
Será que eu nunca aconteci?
(Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a dor, virei, virei-a em mim…)
(…)
(Virei a mim depois do Sol se pôr,
E o Sol pôs-se e eu ‘inda não vim…)
(Batentes!, Batentes!,
Sejai Clementes,
Soai o Fim…)
(…)
Em vão nisto medito.
Em vão, pela criança, eu hoje grito:
(Ecoa o grito pela noite fora)…
Agora veio o Louco, veio o Louco agora,
Rir-se da minha condição,
Rir-se da minha condição,
Rir-se da minha condição,
De ser NADA
NADA
NADA,
Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou NADA
NADA
NADA,
Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou…
Ah! Ah! Ah! Ah!
É rir chorando, é rir!,
O Folião chegou…
No balouço também já se sentou,
No balouço também já se sentou,
No balouço montou a sua tenda,
Pôs a minha alma à venda
E a minha vida parada…
No balouço,
No balouço,
No balouço,
Onde a criança que (eu) não fui brincava…
Alegria!
Alegria!
Quem te ceifou?
Uma foice negra te cortou,
Uma foice negra te cortou,
Uma foice…
Ela veio no assombro trágico da Noite,
Ela veio no assombro trágico da Noite,
Surgiu e secou…
…
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
…
A vida é parada,
Tudo é pesado.
Ser é Sensação,
Um nada sonhado.
Tudo é pesado
Sendo tudo nada,
Viver de enfados
D’ alma estagnada.
Ser é Sensação
Teia de cuidados,
Suja imposição
Do meu negro Fado.
Um nada sonhado
Que me vem comendo,
Irei enterrado,
Mas não vou vivendo…
…
Porque há uma mudança pela estrada,
Porque há uma mudança pela estrada,
Porque a Esperança pereceu esventrada,
Porque a Esperança que me vem roendo…
Recordação que dói de ser criança!,
Morre na Alvorada
Vai desvanecendo…
Não há razão para vires doendo,
Não há razão porque eu não entendo,
Eu não entendo, não, não há razão:
Parte!, vai!, meu Inuendo!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!
Recordação!
Pudesses tu desvanecer na dança
Da minha Solidão!
Se tu pudesses arrancar, partir!,
Num qualquer navio de podridão!…
Esquecendo-te talvez pudesse rir,
Rir-me da minha condição:
De ser NADA
NADA
NADA,
Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou NADA
NADA
NADA,
Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou…
Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah, rir chorando, rir!,
O Folião chegou…
Trazendo a Opressão
Do Negro Fado,
Com a Morte e a Solidão
Mesmo a seu lado…
Sentou-se e reinou.
Lisboa 11/12/96 – Bruxelas, 05/07/04
II
A Morte e a Solidão,
Irmãs inseparáveis,
Levaram-me em caixão
Numa grande viagem.
Passei por caminhos
De pedra e de lama
E vi azevinhos
Lambidos por chamas.
Passei por cavernas
Morada de monstros,
Mostraram-me as pernas
E o puro desgosto;
Cruzei mil valados
E as covas mais fundas
E vi os enterrados
Saírem da tumba;
Levaram-me ao fundo
De toda a miséria
E ao seio imundo
Das coisas etéreas.
Vi o cabo do medo,
O abismo da fome
E provei o degredo
Do Anjo-Sem-Nome;
Tiraram-me os olhos,
Cortaram-me as mãos
E fizeram folhos
Do meu coração.
Queimaram-me a alma,
Cozeram-me os pés,
E o meu ser da calma
Foi p’las chaminés.
Despiram-me as roupas,
Tiraram-me a pele,
Dobraram-me os sonhos,
Bebi o seu fel,
E depois vieram
Com um fato de bobo,
Em mim o vestiram
E disseram: dança.
Desfeito, submisso,
Olhei o meu roubo,
E os meus ossos lisos
Dançaram na campa.
Lisboa, 20/01/01
III
Desconheço tudo:
Quem sou
Onde estou,
Porque me sinto tão rijo
No corpo
E nos sentidos.
Certezas? Só duas:
A Morte está perto
E a Solidão perdura.
Tenho o espírito mudo.
O sonho acabou,
O sono findou,
E na vigília permanente redijo
(Breve conforto,
Eterno castigo),
A minha confissão sofrida e crua:
O Eterno e Humano Desacerto,
O meu sublime Elogio da Loucura!
Lisboa, 03/02/01
IV
Há uma ânsia em mim que não me sai.
Há uma ânsia em mim…
Batentes!, Batentes!
Sejai clementes!
Soai o Fim,
Soai,
Soai o Fim…
O que comprova a minha existência são as minhas sensações e a imagem do espelho. Os outros não me servem de resposta porque, na verdade de mim, não podem jamais caber as verdades alheias. Contudo:
a) As minhas sensações não estão de acordo com a imagem do espelho. Em qual das duas verdades eu existo?
b) As minhas sensações são desmentidas pela imagem do espelho. Como existo?
c) As minhas sensações não têm reflexo no espelho. Será que existo?
d) As minhas sensações são o seu espelho. Não existo.
«30-07-2007 - 09:12Bush dá boleia a Brown
O Presidente dos EUA, George W. Bush, usa um carro de golf para dar boleia ao primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, em Camp David, nos arredores de Thurmont, Maryland. Este é o primeiro encontro oficial entre Brown e Bush. Entre outros assuntos, serão discutidos o comércio mundial, as alterações climáticas e a crise em Darfur».
Foto: Larry Downing/Reuters
O Gume, muito eclético, quer experimentar todos os estilos possíveis do melhor jornalismo. Desta vez, segue-se o insubstituível e inimitável estilo da Lux e procura-se encontrar os mais suculentos momentos deste novo encontro amoroso que muito promete para os próximos anos na Política Internacional:
Depois deste encontro algo desencontrado em que o novo Primierio-Ministro inglês sente alguma dificuladade em saltar para a espanpanante e acolhedora viatura do Galã Bush, exemplo acabado de elegância, charme, postura e inteligência, soubemos que o casalinho foi almoçar a um restaurante do mais alto gabarito (cujo nome não citamos a pedido do proprietário); à tarde, escolheu digerir as gambas e o soufflé ao longo de um passeio à beira-mar e, para passar a noite, elegeu o Hotel... (bom, um Hotel que também não citamos por respeito à privacidade dos pombinhos). Casos como estes devem ser partilhados pela alegria que emanam e a sinceridade que professam. O ninho de amor que o adorável casal Brown-Bush promete construir para si e para a Humanidade deve a todos servir de exemplo, e é em nome desse ideal (tão lindo!) que o Gume de hoje, versão Lux, vem trazer à atenção dos seus fieis e sensíveis leitores este encontro que poderia talvez passar despercebido. E para terminar deixa-se aqui um brinde e um desejo:
Muita felicidade e sucesso, meus queridinhos, e continuai assim, apaixonados! De facto, tanto a Europa e o Mundo têm a ganhar com tão sincera aliança! E três vivas ao amor, essa cegueira!
Está na Natureza do Homem ser assim:
Velho,
Triste,
Cansado,
Tolo fugindo ao Futuro,
Por não erguer o seu rosto
Para olhar adiante.…
De que te serve essa apatia constante?
A inércia é o princípio do fim.
A vida está no Levante…
Lisboa, 09/03/97
Alice, como Gulliver, é um pretexto para ilustrar as sociedades modernas. Ela revela em simultâneo a brutalidade física e psicológica das personagens que ensombram o seu mundo que nada tem de fantástico, onde a crueldade, a violência e o egoísmo atroz do nosso quotidiano se atenuam, simplificam, humorizam e tornam suportáveis através do sonho aparentemente naïf de uma criança. O que há porém de naïf nas avaliações que os mais novos fazem do mundo? A hipocrisia das pessoas crescidas teima, afinal, em desvalorizar aquilo que a maturidade fez esquecer e que elas, tão adultas, não querem, não podem, não conseguem ver. Pois como pode, diante da verdade, ter efeito uma máscara?
In Público (quase, quase assim):
mas também, oferta bem mais preciosa, a uma cuequinha de renda (a sua cuequinha da sorte), que a nossa querida Simone também usou nestes e noutros golos fabulosos, em terras lusas e âbródi, pelos encarnados-esbatid... pelo Benfica e pela Selecção Luso-Bras... Nacional. Eis a referida (e muy preciosa!) cuequinha:
Ora, perante isto, como diria (que disse, que o Gume esteve lá a ouvi-la!) esta simpática e pitoresca adepta,
perante esta bela oferta, «como não houbera a Simoninha de chorar? E que tãobem, que eu bi, tãobem o Bieirinha derramou uma lágrima!».
Efectivamente, caro gumoleitor, não é a primeira vez que vemos pessoas aflitas dos olhos em conferências de imprensa. Por certo, o ar abafado das salas pequenas e gente concentrada provocam reacções químicas estranhíssimas e originam vapores que, claro está, levam o olho à lágrima. É a chamada comoção social...
P.S. de direitos de autor: A imagem da Simone festejando o golo foi roubada por mim ao blog Eça É que Essa (http://www.ecaequeeessa.blogspot.com/) - uma vez mais, Isa, desculpa e obrigado - que a roubou ao blog http://www.aindateprocuro.blogspot.com/, que a terá eventualmente roubado de algum sítio que não sei qual foi, que eventualmente a terá roubado antes disso a um criador/proprietário que o Gume, por preguiça (uma preguiça enorme!) desconhece. Está assim, mesmo que incompleto e vago, feito o reparo no que respeita à propriedade intelectual.
I
Viajamos num mundo de sonhos
Que nos assusta por vezes,
Que nos parece medonho.
Caminhamos num espaço
Descido por escadas corridas
De medo e mágoa.
Encontramos a cada passo.
O cruzamento de inúmeros rios
Que nos afogam inter calados.
Devoramos o espaço
Com um intenso desejo de poder-
Mos viver des controlados.
Calçamos as luvas dos outros
Para aquecer o frio,
Bebemos sôfregos
Garrafas e garrafas de vinho
Para não sermos sozinhos,
Para esquecermos o Passado,
E partilharmos a cama
E o sexo
Possesso
Com o vazio.
Lisboa, 20/08/97
II
O marinheiro iça a vela
Do fundo do seu mastro –
Está na hora
De descobrir Novos Mundos.
Sacudindo do ombro uma cidade adormecida,
Está de partida
Para Novas Paragens,
Distantes de um Passado moribundo.
Aqui nesta barca,
Coleccionam-se retalhos da vida,
De porto em porto,
Guardam-se fotografias de olhares profundos,
Recordados por flashes de memória.
Aqui nesta barca,
Bebemos rum para aquecer o corpo,
Contamos histórias de piratas,
E escrevemos a nossa própria História.
Lisboa, 20/08/97
O fim da infância é o fim da vida e o princípio da sobrevivência. Se sobrevives, deixa-te morrer. Porque essa coisa que superas com valor e esforço não é, na verdade, coisa alguma...
Sopro de nada,
Ser indefinido,
Chora sozinho
O teu destino
De não seres nada.
Choro de nada
De um violino,
Chora baixinho,
Voz miudinha,
Convulsionada.
De que te serve
O choro e a mágua?
Tu estás sozinho,
Ninguém te vale,
Não vale nada!
Homem sem tino,
Com sonhos de vidro,
Chora sozinho
O teu destino
De não seres nada.
De que te serve
O choro e a mágua?
Ninguém te ouve,
Ninguém te quer,
Não vales nada.
Lisboa, 18/07/97[1]
O Gume».
I
Um poema pode apenas ser
Num pouco de papel uma palavra.
Se importa o que está escrito,
Importa mais do que isso o que tu lês;
Para lá dos olhos do leitor,
Não existe a linguagem, não existe o amor,
Não existe o poema,
Mas apenas nada…
Lisboa, 07/04/97
II
Amo,
Amo,
Amo,
Mas o que amo onde está?
Eu chamo por tudo, eu chamo,
Mas só a Ausência responde,
Só o Vazio tem um nome,
É só o Vácuo o que há…
Bruxelas, 05/07/04
III
Se, o que eu vejo, só no meu olhar consiste,
O que eu vejo (que é o que eu amo) não existe…
Bom, bastante assustado... Afinal, da incompetência à estupidez, este Governo, confessamo-lo, é um susto!!!
P.S. de Esclarecimento (ao jeito parlamentar): Como se viu, o Gume não fez qualquer comentário... A verdade, talvez, fala por si?
I
Próxima Partida: Anunciação.
Na Gare da Vida, Via d’ Aflição.
Lausanne, 30/11/04
II
Quando acabar este Mundo
Estarei, contigo, a teu lado,
Com um bom vinho maduro
(Meu salmo de cabeceira)
E os velhos sonhos dobrados
Na algibeira.
Quando acabar esta noite,
Virá um dia mais escuro,
Sem sol que brilhe e se afoite:
Sobra a noite que resiste,
Fica o Horror, esse muro
Denso e triste.
Quando acabar esta vida,
Virá a Morte Incansável,
Com a sua mão decidida,
No seu cavalo montada,
Colher o ser Miserável
Que é nada.
Quando Eu, o triste, acabar,
Já quando não houver Mundo,
E nada tiver lugar,
Não virás tu do Vazio
Suster meu corpo desnudo,
Roxo e frio.
Quando acabar este sonho,
Já quando não houver céu,
E todo o ar fôr medonho,
Sobre um deserto de dó,
E em tudo reinar o breu,
Estarei só…
Lisboa, 02/12/96
III
Oh!, estrelas que o céu perdeu,
Eu nasci p’ra ser sozinho!
Esta teia em que definho,
Que aranha negra a teceu?
Lausanne, 29/11/04
IV
Oh estrelas que o céu perdeu,
A teia que me prendeu
É a Vida, O Grande Nó.
Que aranha negra a teceu?
Estará nela a mão de Deus
Ou a sensação com que sou?
Eu nasci p’ra ser sozinho,
P’ra me rojar no caminho
Que o Destino me forçou.[1]
Esta teia em que definho,
Das minhas ânsias, o ninho,
Desde sempre me encerrou.
Conhecer o fim do Mundo,
Indo em mim mesmo ao mais fundo,
Roendo o horror que restou,
É o meu dever imundo
De Eterno Vagabundo.
Que demónio me criou?
V
Desconheço qual o monstro,
Não reconheço o meu rosto,
Não sou ninguém ou sou outro,
Eu nem sei que aconteceu…
Lausanne, 29/11/04
IV
Foi o Tempo que passou,
Foi o Tempo que passou,
Foi o Tempo que passou,
Mas quem viveu?
Lisboa, 04/07/01
V
Não fui eu,
Não fui eu…
Algo em mim me abandonou,
– Foi a razão?
– Não. Fui eu…
Lisboa, 15/07/01
VI
Por entre o frio da estação
Onde passam os comboios
Vi um rosto familiar:
Era a minha Sensação:
Tinha lágrimas nos olhos,
E uma expressão de pesar.
– De onde te vem a tristeza?
Porque fugiste de mim? –
Perguntei-lhe estarrecido.
– Eu vivo na Incerteza,
Entre o Princípio e o Fim.
Sentir e ser sem ter sido!
Tudo na vida é tão vago!
Tal como este nevoeiro…
E ser forçada a sentir!
Pudesse só ser um prado
Desde Janeiro a Janeiro!
Pudesse nunca existir!
Lausanne, 30/11/04
VII
Ah!, comboio da vida ! O teu embarque
Deixou-me sem ter forças que o abarque,
Quebrou-me o coração que ainda se parte,
Deixou-me com a razão ‘inda a pensar que…
Lausanne, 30/11/04
VIII
Pudesses não arrancar!,
Pudesses ficar na gare,
Nunca ligar o motor!
Mas já se ouve um apito,
Ao fundo da linha um grito…
E vais a todo o vapor…
Lausanne, 30/11/04
[1] Nota do Autor: Versão Alternativa: Que a minha angústia moldou.
Olhar para mim não é exclusivamente uma questão de vaidade mas um modo bem sério de auto-conhecimento.
- Eu sempre tive ideias grandes para o Mundo e vejo todo o Mundo em Portugal. Se somos burros, nós, osque ditamos, há um certo encanto até na ditadura. É como pintar para um espelho: mesmo faltando a aprovação alheia, subsiste uma certa realização pessoal. No fundo, eu sou um génio (mesmo se parvo e mesquinho) e é artístico tudo quanto faço. Que se ouça, digo eu, a resposta da Arte!
O legado principal do dadaísmo foi deixar clara, em nós, a consciência de que o Mundo vive só da subversão. Já se engana apenas com a verdade. Eu hoje peço aos Homens que me mintam por não querer, depois, ser enganado.
If your ego is big, it must come from your wig.[1]
I
Sonhar é cavalgar por entre as estrelas,
Pôr uma cerca em volta do Infinito,
Fazer parte das coisas e bebê-las
Como quem bebe um cálice proscrito.
Sonhar é navegar sem tempestade,
Partir, zarpar de todas as nascentes,
É iludir o dogma da Verdade
E a sensação de Morte nos Poentes.
Fechar e abrir os olhos num segundo!
Partir sem ter atrás obrigações!,
C’o coração rindo em redor do Mundo,
C’ o corpo inteiro em celebrações!
Ah!, poder ser maior que o firmamento!,
Maior que as águas em exaltação,
Maior que o Homem que guardamos dentro!:
Ser-se senhor da sua condição!
Ah!, eu sonhar abrir uma janela
Que dê para a avenida ou para um rio,
E desse gesto simples ver por ela
O dissipar das chagas do vazio…
Ser alma inteiramente, o interior
Do Universo, Reino dos Sistemas,
E nesse campo recolher a flor
Que será fruto, como nos poemas…
Oh, sim!, sonhar, sonhar, sonhar Amor!,
Ter paz nos dias, mesmo que pequena,
E imaginar que apesar da dor,
Viver, esse tormento, vale a pena…
Lisboa, 04/12/96
II
E acordar depois, com o sonho por metade,
E ver o peso bruto da verdade…
Que pena!
Lausanne, 29/11/04
O Fado é um ritual de redenção. No momento em que uma prostituta começa a cantá-lo é promovida a pessoa, depois a mulher, depois a santa. Terminada a sessão, regressa ao estatuto inicial de mula. A sociedade tem esta forma sublime de catalogar os seus membros, e de os promover ou despromover nas suas hierarquias de acordo com a conveniência das várias situações. No fundo, é como a celebração da missa. Os homens e as mulheres entram sujos da merda quotidiana, desperdiçam algum latim, lançam amens, comem a hosteazinha, rezam pela Humanidade que desprezam e saiem de alma lavada para voltar às engrenagens ferrugentas das suas vidas más... Sem dúvida, as religiões são o ópio do povo…
Isto, descobri-o casualmente, olhando-me ao espelho: O puro génio quer-se livre e, como tal, é amoral e irresponsável. Eis então esclarecida toda a minha política...
Nâiu! Nâ Mâdâirâ nâiu! Pur minhâ fé d'Adalbertiu Nânpiuliâiu! Nâiu há Çâinsiurâ si â Çâinsiurâ siôu Êui! Se nâiu é çâinciurádiu, âintâiu é jiustiu! E tânhiu ditiu.
PÊ.ÉSSE.DÊ (Post Scriptum et Dictum): Côntactâim ius mêius secretáriius pârâ âs necessárias trâdiuçôies.
(Lisboa, 03/01/03)
A Natureza é um estado de alma:
Símbolo e signo das vontades do Homem.
O corpo é uma ideia da Ciência,
Que é o mesmo que dizer
Religião.
Um mar bravo é o meu peito sem calma.
Árvores dentadas são ratos que me roem.
No campo, a paz, o sonho, a paciência…
O real sou eu a acontecer,
É a minha sensação.
E eu,
Que sou?
E tu amor?
E os dois?
Dois mUNDOS
Separados do Mundo
Cuja felicidade vai sendo adiada
Para depois
E depois
E depois
E depois
E depois
E depois…
Lisboa, 12/12/96
A aberração é o resultado inglório de três realidades distintas: Uma subjectividade; uma maioria; uma consciência.
I
«Não… Não vás já…
Gostava que esperasses.
Gostava que ficasses
Mais um pouco.
Talvez te zangues – Não te zangues.
Talvez me ignores – Não o faças.
Talvez me julgues louco – Não o sou.
Talvez um dia entendas o que é estar como estou –
Mas não sendo comigo,
Que benefício me traz?
Abraça-me – Porque não me abraças?
Todos dão vivas ao Mundo.
Tu dás vivas ao Mundo.
Tu queres ter o Mundo.
Eu desejo apenas o jazigo
E a paz.
Mas não foi por isto que te pedi que ficasses;
Gostava de dizer-te que… Bem… Sabes… Sinto e…
Aquilo que por vezes nós podemos…
Aquilo de que nunca nos esquecemos…
Vem doendo e…
Espera! Só mais um segundo!
Ah!, E eu que quero apenas ser feliz!
Será isso assim tão absurdo?!»
Lisboa, 13/05/94
II
«Estranho, o estar aqui, pensando uma Utopia…
Saber que é isso e ter sabor a pouco.
Ver o mesmo céu dia após dia,
Ter tédio dele e desejar um outro…
Estranho também o estares aqui comigo,
Eu, o eterno sonhador,
Que tenho o Impossível como abrigo
E o Caos como Deus meu criador;
Estranho ser estranho e eu já estar diferente;
Tu teres partido e eu falar sozinho;
Poder estar só ou existir mais gente;
Morrer de inércia, escolher ter um caminho…
Estranho o silêncio quando baixa a noite,
E se mantém quando sobe o sol:
Eu falo, nós falamos, muito afoitos,
E um tenebroso silêncio nos engole.
Estranho ficar quando todos partem,
Estranho eu amar se só há ódio em mim.
Ser eus que se baralham e repartem,
E jogam poker apostando um fim…»
Lisboa, 08/01/01
III
(Risos)
«Idiotices…
O que me interessa isso?
Não é normal, perfeito. Tanto se me deu.
De qualquer modo, estou sempre contrafeito.
Que é o que fiz?
Um gesto! Aconteceu…
De que me serve então preocupar-me?
Tudo é penúria, tudo é exaustão.
A partir daqui vou ausentar-me
Do pensamento e da sensação.
Assim, neste decreto do absurdo,
Declaro hoje, aqui, em frente a mim:
Vou dormir para sempre: Que me importa o Mundo?
Cortar os pulsos: Deixar saír esse veneno imundo
Que me faz respirar tão malamente,
Que me faz suar com ple ta men te…
E ficar pálido e frio como o marfim! …
I
Tu, criança,
És o menino que eu já fui,
És o pássaro que voava livre no céu,
És o cabide
Pendurado no armário,
Que aos poucos e poucos se vai desprendendo
E vai exigindo o que é seu.
Tu, criança,
És o vento,
Que se escapa a todas as mãos, a todos os momentos,
És o luar aberto e misterioso,
Quando gira
No seu preguiçoso
Movimento…
Tu, criança,
És a flor que embeleza os campos soltos
E quando eu posso
Colho p’ra cheirar. –
Que não te importes:
O teu perfume é ar
Para os meus pulmões.
Ar que eu já não tinha; estranho ar!
Tu, criança,
És o horizonte,
És o cume do monte,
Todas as facetas da alegria,
O princípio e o fim do mar.
Tu, criança,
És a parcela perdida da infância,
És o sol, a luz, a água, a vida,
Um turbilhão de verdes circunstâncias
Saídos de uma caixa de magia.
Tu, criança,
És tudo o que eu fui e já não sou,
Por isso tu és menino e eu sou louco,
Por querer sempre demais, fiquei com pouco,
Mergulhei num castelo de ilusões…
Sonhei
Alto demais, suBI,
suBI,
suBI,
suBI,
Fui feliz,
E depois
CAí
Aos t a
r m
bo õ .
lh es . .
Tu, criança,
És tudo aquilo por (que) quem cresce aspira,
És tudo aquilo que um homem nunca tem;
Eles recordam em ti o que perderam,
E só contigo e por ti serão alguém…
§
Um adulto do Mundo
Por todos os adultos do Mundo…
Lisboa, 25/12/96
II
«Das Noites Negras em que me gritáste,
Dos Dias Sujos em que me humilháste,
Das Horas Tristes em que fui teu chão,
Ficou coberto pelo teu silêncio,
Por esse teu orgulho vil e denso,
Este tardio pedido de perdão…»
Lausanne, 29/11/04
III
«Sorrisos do Futuro?
Terras de Além-Mar?
Festim que demora?
Que sois?
O Presente é escuro.
Servir e calar…
Ser Criança agora!
Para quê depois?»
…
Sê criança agora – Nada há depois…
Chegaste e eras ar, agora sei
Que era só ar o rosto que tiveste.
Pois no oráculo dos teus olhos decifrei
O medo, a raiva, a fome, a sede, a peste.
Talvez já estejas morta e eu, aqui,
Procure o teu corpo à tona d’água;
Mas só porque te olhei e não te vi
Tu vens ao cimo e não me dizes nada.
Talvez seja eu o morto e tu, ao lado,
Não tenhas mãos para me abrir a porta
Nem haja porta, mesmo, para abrir.
Talvez sejamos nada, simples fardos
E este fogo que arde desde a aorta
Seja o desprezo que sinto em existir...
Lisboa, 28/02/00
De um Poema de Natália Correia
O amor apontou-me uma faca à garganta. Foi o ódio que veio beijar-me as faces… Vivo em descansos de mágoas, (tantas, tantas!) nada me traz um conforto.
«O amor…», dizem-me uns, com tons de paternalismo… E eu rio-me nas suas caras regradas das suas ilusões de adolescente… O amor?!
O amor não é mais (do) que uma extensão do desejo, uma pincelada inútil de um verniz que estala sobre a madeira do móvel com que enfeitamos a vida. O ódio é a cinza desse móvel ardido, é o seu rosto de poeira e de sal no fim dos gritos, das lágrimas, dos gestos dissolutores. Não há bom nem mau. Há duas faces apenas da mesma moeda ferrugenta que guardamos no bolso das calças por simples superstição. Não, não há bom nem mau. O que fica na sala vazia onde estiveram os móveis é tão só a placidez nostálgica de um bem que passou, um ressentimento que se esfuma lentamente do que foi perdido, uma vontade incerta de arranhar as paredes, um abandono que passa e se habitua a si mesmo, as notas soltas de uma canção triste que se ouvia na rádio. O tempo cura tudo porque a memória, felizmente, é finita como o nosso corpo. O tempo cura tudo porque mais cedo ou mais tarde nos leva à senilidade, ou à loucura, ou à decomposição final irreversível. O tempo cura tudo porque a natureza é perfeita nas suas imperfeições, por permitir a todas as espécies a graça imensa de um fim.
Sim… o amor… uma faca à garganta… um beijo calmo que me queima o rosto, que me incendeia o peito de rancor, um beijo de fogo que me recorda o abandono interminável que sofri: ontem, hoje, talvez amanhã… ontem, hoje, talvez…
Veste-te Miguel. Sai desse torpôr. Que fazes tu nu diante desse espelho?
I
No fio da meada está o desespero.
Por isso eu vou cortar o fio.
No fio da meada está um barco negro
Descendo por um rio.
No fio da meada está a minha fome
De ser grande como o firmamento.
No fio da meada está escrito o meu nome
Que é mais pequeno do que sou por dentro.
No fio da meada está esta certeza
De ter a vida sempre amordaçada.
No fio da meada ganho essa destreza
De tirar pedras de qualquer entrada.
No fio da meada busco a alegria
Que não sei porquê me vem faltando.
No fio da meada dou as mãos ao dia
E para a minha festa o vou chamando.
No fio da meada mora essa vontade
Que faz de um mendigo um Imperador:
No fio da meada encontro a Liberdade
E o amor, e o amor, e o amor!
II
Parca, eterna Parca, da mentira velada:
É meu o meu Fado, tu não
Fias nada.
Parca, triste Parca, de Horácio e Homero:
Não terei caixão:
Eu sei o que quero.
Parca, feia Parca, tão vil e mesquinha:
Tu nada acometes:
Eu comando a linha.
Parca, grossa Parca, horrenda e temida:
Já medo não metes:
Eu mando na vida!
Lisboa, 02/04/01
Era uma rosa num lindo jardim,
Ela brilhava e dançava ao vento;
Vermelho rubro, cor de carmim,
Ceres lhe dera um perfume bento.
Era uma rosa no meio do verde,
Ela cantava e contava o tempo,
Cor de cereja, de rosa veste,
Tombava, erguia, sento, não sento.
Era uma rosa trepando um muro,
Rasgando o ar como uma criança;
Cor de ginja, vermelho escuro,
De olhá-la, só, o coração descansa.
Era uma rosa contando os dias,
Suave, quebrava o seu caule fino;
Lembrava sonhos, esquecia a vida,
Até cair nas mãos de um menino…
Lisboa, 18/04/92
Não me digas que há pássaros lá fora. Que conforto há no mundo além do calor do meu quarto? Que pode haver no exterior que me console? De que me serve o bem-estar além da minha janela? É de um outro, não meu. De nada serve uma busca por nada haver para achar. Pássaros lá fora? Eu abomino os pássaros! Eles são belos só na literatura. E a vida não é nenhum poema…
I
Ainda o Sol não tinha bem pousado
Sobre os telhados altos destas casas
E já eu impaciente, abotoado,
Te esperava com o coração em brasas.
Vieste: Esplêndida! Linda! Deslumbrante!
Lembro ter ficado sem palavras.
E com o passo lento e trem’licante
Fui beijar-te as mãos bem perfumadas.
Podias ter sorrido com o ar frio
E superior de muito mulherio
Tomando-te Raínha dos Mortais:
Mas tomaste antes o meu rosto caído
E com um olhar mais terno que Cupido
Beijaste-me até não poderes mais…
II
Ser Humano
É sonhar.
Nós dois sempre tivemos consciência
Dessa verdade óbvia mas velada.
Do chão plano
Brota este pilar:
O nosso amor, firme e em emergência
Como uma flor de campo, bem plantada.
Porque por nós passaram poucos sóis
E construímos juntos esta casa
Reclamamos para nós todo o espaço em redor
E sentimos a força de milhares de homens:
Somos novos, somos tudo:
Somos os donos do Mundo.
Fazemos parte do campo onde pascem os bois,
Somos um pouco do pássaro de que ganhamos asas:
Germinamos em nós aquela flor
D'onde tudo surgiu e onde todos comem…
III
Nós dois
Não acreditamos no Destino.
Não fazemos parte deste Mundo de tolos.
Nós dois
Tocamos com nossas mãos o sino
Que tranforma em risos os antigos dôlos.
Nós dois
Estamos para além dos outros
E acima do comum desgosto que aí passa;
Nós dois
Escapamos lestos do sufôco
Causado pela junção bestial das massas.
Nós dois
Tomamos de nós o máximo tempo
Porque não fugimos de ninguém, porque tudo está certo.
Nós dois
Abrimos as portas do nosso convento
E rezamos ao Amor a céu aberto.
Nòs dois
Ascendemos para além destes muros
E somos e estamos para lá da Hora.
Nós dois
Vivemos com as almas no Futuro
E é lá que a nossa vida se demora.
E mais extraordinário que isto tudo,
O que ficará para depois,
É que tu não desgrudas, eu não desgrudo,
E nunca fomos dois…
Lisboa, 19/12/96
Cai a semente no meio do campo,
Desce fundo, talvez por engano;
Revolve a terra, gasta tamanco,
Trabalha, esfria, e hoje é ramo.
Pousou em tempos semente velha,
Pobre e gasta mas cheia de amor;
Rega com força por gasta telha,
Trabalha, sua, e hoje é flor.
Bailou outrora semente fraca,
Em terras frias e tristes germina;
Protege e cuida alma beata,
Trabalha, cansa, e hoje é vida.
Sob a abóbada do grande céu
Dançou um dia tamanha flor;
Por entre as balas, de frio morreu:
Cavem a cova ao agricultor.
Lisboa, 08/12/92
– O Eugénio tem uma poesia muito iluminada.
– Que quer isso dizer?
– Que tem muita luz; que é uma poesia muito branca!
–Ah… Nas páginas ou nas ideias?
Lisboa, 19/02/00
Um dia claro, no céu do dia um’ave
Voando além das margens desse céu.
Se acordado, sonho. O sonho é a chave.
Entre a ave e a terra estava eu.
Um arco-íris seguindo a grande chuva;
Um vaso nas mãos de uma criança;
Uma mulher escultural pisando uvas
Que eu bebia em horas de bonança.
Uma mão pousada no meu ombro,
Um ombro encostado à minha mão,
A minha mão tocando Galateia;
Oh, a vida!, a vida!, grande assombro!
Se bem me sinto é porque sonho e não
Por ter o gozo dela na ideia!
Lisboa, 27/03/94 - 29/12/00
«Cortam-nos as gargantas com as lâminas do desprezo.» - Frase retirada de um romance pobre. «Sentir secar-me a vida como um lírio que se esqueceu no deserto…» - Verso branco de um poeta menor.
Inúteis analogias! Sofremos. Ponto final. Não comparemos. Que aborrecimento impossível nesses comos, nas metáforas com as suas substituições, nas metonímias com as suas insuportáveis associações de ideias!
Se há tédio, se há neura, se há dor, se há morte a aproximar-se, se há cansaço, se há irritação, se há solidão, se há sono, se se pensa sem haver que pensar, que seja apenas tédio e neura e dor e morte a aproximar-se e vida em fase de espera (por favor uma cadeira para que eu me possa sentar), que seja apenas cansaço e irritação e solidão e sono (que se durma), e um pensamento vago e prescindível (que não se pense então), que o que é seja simplesmente o que é como sempre foi sem se pensar nisso ou no que poderá ainda vir a ser, para que não se volte a falar nisso, e a vida não se repita, que acima de tudo não se repita, que nada se repita, acima de tudo não repetir, essencialmente não repetir, porque é importante não repetir, e eu repito-me, decididamente repito-me, sim, repito-me, repito-me, repito-me, chego mesmo a existir a dobrar…
Sim, a verdade é esta: tenho um duplo nas veias a brincar com os meus dias… Porém, se numa frase, a repetição pode ser eliminada, como eliminar a repetição na vida?
(Lisboa, 23/12/99)
In Sol:
«Debate a doze na RTP
Moderação difícil de Fátima Campos Ferreira - Há 47 minutos: A RTP conseguiu reunir os doze candidatos na Biblioteca da Câmara Municipal de Lisboa para que cada um pudesse falar dos seus planos para Lisboa»
Sobre notícia tão singela e porque a hora é tardia, o Gume limita-se a salientar dois pontos:
1- Quem disso tenha memória (eu, provavelmente por causa do Alzheimer, não a tenho), que faça o favor de indicar um programa conduzido pela Fátima Campos Ferreira, mesmo que sobre a plantaçao em estufa do cacto mexicano com uma associação de agricultores nonagenários surdos-mudos, em que esta diva da moderação nacional de debates e polémicas não tenha tido uma uma performance "difícil"!??
2- Um debate de uma hora com os 12 candidatos para compreender os seus planos para Lisboa??!! Mas se é tão claro e, curiosamente!, tão comum! Ora veja-se (O Gume fez uma TAC ao cérebro dos candidatos quando estes sonhavam e deixa-vos aqui o retrato):
Cantai, meus Neros!, que Lisboa há-de arder e ninguém nos alegra!
Eis esses heróis dos Novos Mundos!
Eis os sonhadores no mar salgado!
Eis os mortais, esses moribundos
À sua ambição acorrentados!
Eis os Homens, raça de infelizes,
Subindo, porém, a um pedestal!
Eis a Miséria e o Horror, esses Juízes
Da Vida, o Supremo Tribunal!
Vultos na treva tacteando a ruas
Sob a lanterna pálida da lua,
Em busca de um sentido para a vida:
Eles são nossos, estão adormecidos,
Sonham com naus e galeões perdidos
Nesses desertos de água enfurecida…
Há delírios em tudo o que conheço.
Todo o Homem é insuficiente.
Quero-me e quero mas não me apeteço.
Doente, vou doente e sou doente.
Fumo cigarros de ópio e de veneno;
Tenho visões de vidas que não tive;
Procuro abstracções e um mais ameno
Sonhar do que este sonho que retive.
No meu quarto sombras e figuras;
No meu corpo marcas que não fiz;
Um diabinho faz-me diabruras…
Na minha mente ideias que não quis.
Ordens loucas, fúrias inseguras;
Sou corda de um novelo que desfiz…
I
Meu nome é Joaquim Sem-Apelido.
Nasci num poço escuro: Portugal.
Um dia fiz a mala do Destino
E viajei por mares de terra e sal.
Então eu vi que o Mundo é indefinido,
Uma aldeia, simples e global.
II
Ficando inconformado com o que vi,
Confuso por me ver um aldeão,
Meti-me num saloon onde bebi
Até ficar prostrado sobre o chão.
III
Depois do que bebi na noite que passou
Não sei se durmo ou se isto é o real.
Mas este medo espesso que ficou
É a origem bíblica do mal.
Traços de giz numa folha branca
Que fica suja mas nada se lê:
Isso é a vida nos dias: uma mancha,
Como, nas toalhas, o café.
Um golo no cognac, n’águardente,
Um golo de saliva dado em sêco,
Um golo de raiva amordaçada.
Bebo p’ra esquecer que sou demente,
Qu’ o Mundo é, no Universo, um bêco
Com a importância e a dimensão do Nada…
IV
Então, três vezes me ofertei a morte
Estendendo para o espelho um grande lírio.
Três vezes recusei a minha sorte
Imerso que estava num delírio.
Três vezes me bateram ao postigo
Para indagar se tudo estava bem.
Três vezes respondi que «estar comigo
É o único bonheur que me convém!».
Três vezes escrevi o suicídio
Nas costas de uma folha amarrotada.
Três vezes premi esse gatilho
Do pistolão nervoso que é a mágoa.
Então, urrando, e um pouco entre suspiros,
Entre o soluço, a solidão e a frágua,
Por três vezes eu disparei três tiros:
Rompi, parece, uns quantos canos d’água…
V
Quando acordei o sol ia subido.
Não me sobrava, porém, o amor-próprio.
Sob a cama? Debaixo dos sentidos?
Busquei-o então nas ternas mãos do ópio…
VI
Ah!, que cheiro bom!
Sempre gostei do tabaco!
Pom! Pom! Pom! Pom!
Quão forte soa o meu coração fraco!
Pom! Pom! Pom! Pom!
Ta-ta-ta-ta!
Meu coração! Então, que se passou ?
Há festa, há?
Pom! Pom! Pom! Pom!
Tu-tu-tu-tu!
Kabom! Kabom! Kabom! Kabom!
Meu coração, então, és mesmo tu?
Fumar faz bem,
O Mundo põe-se a nu…
VII
Uma fanfarra desperta lá em baixo
O tumular silêncio destas ruas.
Chego à varanda para investigar:
Co’ a breca! Um homem de penacho!
E aquela gorda com rosto em meia-lua
Dançando qual Ceres num altar!
Isto é que é vida!
A aldeia, que vinha andando morta,
Rompeu da turbidez para um festim:
É uma chegada ou uma despedida.
Mas os locais vêm de porta em porta
Deixar convites em sopros de clarim!
«Juntem-se à nós amigos da Fortuna,
Venham beber do vinho, comer pão,
Provar as broas, o centeio, o mel!»
E segue a procissão como uma tuna,
Enquanto eu sigo na minha Solidão
Neste pequeno quarto de motel…
VIII
FON! FON!
Ah esta fanfarra, que som!!!!!!
POM! POM!
Ah esta fanfarra, que bom!!!!!!
BOM! BOM!
Ah esta fanfarra, que sou?!!!!!
VOM! VOM!
Esqueleto que festeja o que passou…
(…)
Passons.
IX!
Que som! O abominável é bom,
Por uns momentos…
Interrompo tudo o que fazia:
Agora faz sentido este cinzento,
Agora toda a noite se fez dia!
É neste instante que eu imagino o mar…
E uma praia aonde deixo em molho
As mágoas mais pungentes…
O ar
Parece puro.
Por isso sei que sonho…
Como poderia, pois, sem estar sonhando,
Compreender a sensação confusa
Que parece enfim tornar-se clara?
Tudo é incerto – O mar vai-se alterando.
E da maré, outrora inerte e muda,
Sai um dragão de fogo que me abrasa…
X
Foi o meu regresso à tábua rasa…
XI
Meu nome é Joaquim… Indefinido.
Nasci num vilarejo trivial..
Um dia fiz a mala, prevenido,
Pois queria conhecer o Universal.
Mas o que descobri não tem sentido:
Tudo é a minha aldeia, e me faz mal…
Deus, meu Pai, algo me mói,
Cá por dentro, alguém me rói,
Qual a causa do meu mal?
Será excesso de gosto?
Provo a vida… Não tem sal…
Saio grosso do meu leito,
Vejo fora alguém suspeito,
Traz escondido um cabo forte,
(Era espesso aquele mosto!)
Trar-me-à amor ou morte?
Desse vulto eu ganho medo,
Volto à cama enquanto é cedo,
E aí faço a minha cova,
Meu valado mais profundo –
Deixo a vida para as trovas…
Sim, respiro mas em vão,
Se sou a minha negação:
Quero mudança que mova
A base chã deste Mundo
Mas receio a coisa nova…
Oh!, carcaça sequiosa!
De tolice, só, abundo…
O poema sabe a bispo –
Que farei agora disto?
Um soneto ou uma glosa?
… E fiquei louco depois daquele dia
Em que uma luz entrou no meu abismo.
Era uma paz, então! E eu dormia…
Alguém me despertou com um grande sismo…
Uma mulher gritava em certo leito,
Um homem me batia impaciente…
«Que situação!», pensei, não tinha jeito!
A que planeta vim tão de repente?!
Veio depois alguém, trajando branco,
Que me pegou e disse: «Este é ruim!»
E despejou-me ali por sobre um banco…
Então eu fiquei rubro, mau, carmim,
Cresceu-me barba e pelo, e unhas, cascos,
Fiquei com grandes dentes, e com escamas;
E os olhos, vidrados como frascos,
Pareciam dois tremendos lança-chamas.
E foi então que enchi o peito de ar,
Puxei o tronco atrás, as mãos à frente,
E expirei, num sopro de espantar,
Um fogo luminoso, horrendo e quente!
Tudo acabou, ali, naquele instante,
Eu como estava e o que estava em mim;
Aquela multidão asfixiante,
E essa origem suja de onde vim.
Mas oh!, já era tarde, porque então,
Já eu era eu e vida, enfim!
É pois por plena e pura prevenção,
Que neste dia enorme eu voto «Sim»!1
I
Vestido azul do mar, mala ancorada,
Dona-de-Lá prossegue o seu caminho;
Da sua boca, numa expressão vaga,
Explode um murmurio, entre o uivar marinho:
– «Ai, a saudade que há na Alvorada!
Praias do Algarve, montes que há no Minho!,
Onde deixei amores por quem definho,
Além da bruma que me está vedada![1]
Onde a saúde? Onde os meus amores?
Onde as horas, risos que perdi?
Aqui no cais, dispõem-se os horrores,
Enquanto partem sonhos que esqueci.
Ah, o peso de tudo em que eu medito!
Oh, Tanta é a exaltação! Tanta a repulsa!
Ahhhhh, o horror! O horror! O horror! » – (Um grito)… –
«Regressa Amor!» – E chorou convulsa…
II
… – «O pessoal de lá sente-se só!;
Mas nós por cá também!!» –
Gemeu uma pobre quarentona,
Despedindo-se,
Do cimo do seu ferry que atravessa o Tejo.
§
Rasgando o forte vento a 12 nós,
O barquito avança,
Enquanto uma mão-cheia de lenços
Vai acenando um adeus l e n t o,
Cho ro so,
De pri men teeeee…
…
(Gesto pesado em que me revejo…)
§
«Adeus!,
Adeus!,
Escreve-me!,
Não esqueças!
Manda notícias antes que eu pereça!
Manda notícias antes qu’eu…»
…
(E pereceu…).
III
…No banco ao meu lado
Alguém solta um bocejo…
«Mas que diabo?!
Que é este alarido?!»
É um velho em farrapos,
Um mendigo,
Que, parece, há já umas semanas,
Tem vivido aqui neste lugar…
Sem ter qualquer dever em que pensar,
Vai cravando os olhos nos traseuntes
À espera do cigarro.
Nunca pediu dinheiro;
Nunca aceitou que comer;
É um filósofo nato:
Para ele a vida é como um escarro,
Excedente de um breve ser de barro,
Que se espezinha depois para o esconder...
Braga, 29/07/96
[1] Nota do Autor: O Passado…
Eu vim só ver se acaso tu chegavas.
E o caso é que por casa é um vazio.
Eu vim só ver, amor, mas tu não estavas...
Estava o Inverno, fruste, feio, frio...
Que dia angustiante e repetido!
De pé, há horas, na fila para os dadores de sangue.
Onde estarão os doadores de risos?
«Perdoe-me, senhora, estou tão frágil!
“Posso-me” sentar aqui consigo?».
Lisboa, 13/04/96
Vou sobrevivendo aos dias com sobredoses de vários comprimidos: este para a vista, aquele para a derme, o outro para todos os sentidos… para a alergia, a urticária, a arritmia… para a azia esquálida da vida… Nenhum serve, nenhum trata, nenhum cura… e esta mágoa imensa que perdura… Procuro um, de eficácia comprovada, que me cure, de vez, do ser-não ser. Ò Senhor Baptista da Farmácia: O que tem aí para eu sorver? Eu queria apenas aquele comprimido, que impede o coração de me bater, eu queria apenas aquele comprimido que impede o coração… pode vender?
(Lisboa, 22/12/99)
Meu amor,
Tão longa esta tristeza e tão intensa a dor! Onde a levaza além dos longes Céus?
Escrevo por tudo e por nada: pela água estagnada, pelas ondas nos ilhéus! Porque a saudade é imensa e o desejo bastante; porque há fome, meu Deus!, e ela é tão grande! Tenho fome à noite dos teus beijos! Fome, talvez, desse teu corpo nu! Vem matar-me a fome por inteiro! Quero uma coisa no Mundo: Tu, tu, tu! Sou um esqueleto ambulante, bruto e feio. Um monstro devorador! Hei-de rasgar-te a pele, trincar-te os seios! E tudo por amor… Despedaçar-te a vida num só gesto... provar cada pedaço... Ser prepotente, raivoso, mau, funesto. Irromper aos urros pelo espaço! Do que sobrar de ti hei-de fazer um colar, sanguíneo, orgânico, comprido... E hei-de usá-lo ao pescoço e hei-de andar como um Tirano devasso e presumido!: E passe eu onde passar, (Trovas do Vento que Passa!), ter-te-ei sempre comigo, em tudo aquilo que faça…
Tudo tem fim, já murchou... Essa planta que era de ontem já de manhã fenecia... Vou beber-te todo o sangue - o que era meu ja secou - vou drenar-te, ò gentes contem!, cada gota, à agonia!
Porque eu desprezo esse Mundo, que me despreza afinal! Porque eu odeio de tudo, desde o ter Bem ao ter Mal! Porque eu não quero haver mais estas vãs vontades vãs! Porque eu não quero sinais, nem despertares, nem manhãs! Porque eu não quero mais as minhas ilusões! Nem memórias, ais, recordações! Porque eu não quero mais as ânsias do desejo! Porque eu não quero mais esse teu beijo! Porque eu não quero mais chorar porque não estás! Porque eu só quero Paz e Paz e Paz! Porque eu não quero mais negar querer! Porque eu não quero mais acontecer... Ó vida, aonde vais? Desiste, pára... É esta f'rida de ser que não me sára! É esta coisa rara de me ter! Ao longe (e onde? e onde?) um rio que corre... Ao longe um barco a arder... (É uma dança...) Sim arde, morre! Morre! Naufraga eterna esp'rança! Deixa-me estar, deixa-me perder!
(Lisboa, 21/12/99)
– Quem és?
– Não sei.
– Que queres?
– Esqueci.
– O que é a memória?
– Algo de horrendo.
– A verdade onde está?
– Perdi.
– Vais para que sentido?
– Qualquer.
– Com que intenção?
– Nenhuma.
– Alguém te espera algures?
– Uma mulher.
– Como se chama?
– Bruma.
– Como o lembraste?
– Ela mesma mo disse.
– Quando?
– Agora.
– E que faz ela?
– Ri-se.
– Quem a acompanha?
– A Aurora.
– De onde as conheces?
– De mim.
– Quem elas são?
– Eu.
– O que te ensinam?
– O Fim.
– Que nome lhe dão?
– Deus.
– Onde se encontram?
– Onde há espaço.
– E o Espaço é grande?
– Talvez.
– O que vês nas Estrelas?
– Um laço.
– E para além dele?
– O mesmo que tu vês.
– Tens algum ideal?
– A Fome.
– Tens alguma arma?
– O Verso.
– Se fosses Deus, que ordem dar aos Homens?
– «Come!»
– E que morada, enfim?
– O Universo…
(Lisboa, 09/05/05)
[1] Título de Lénia Marques
Estão proibidas as cores vãs do Desespero:
Não desejamos a Morte cá em casa.
Estão proibidas as cores avaras da Agonia:
Nada vale a pena. Nem a escrita vale a pena com que escrevo. Nem pena vale a pena que carrego. Sejas ou não outro, mudes ou não mudes, o mundo há-de girar na sua indiferença. Porque te esforças nessa desavença? A alma é grande, é certo, como são grandes os sonhos. Mas esta dor maior de estar em mim, e de me ver definhar e ter um fim! A minha alma é grande, e grande se passeia pelo paúl dos dias abjectos. Ela projecta em sonhos os seus febris projectos. São todos geniais, sublimes, um poema… e um que valha a pena?
(Lisboa, 14/12/99)
Ouve,
Não tenhas medo,
É um poema;
Um misto de oração e de feitiço,
É o mais intenso dos mistérios,
Um dilema,
É cometer com as palavras adultério
E ter orgulho nisso.
É um perfume denso num harém distante,
Um compromisso
Com as frotas do Levante.
É uma vontade de viver constante,
É uma escrita aberta e natural.
Com as palavras abrimos corações;
Como a chave de portas encobertas,
Como a passagem secreta p’r’ó portal
Das nossas emoções.
É um cofre, um armário, uma gaveta,
Onde guardamos os sonhos pessoais;
É no que somos talvez um pouco mais,
E um pouco mais das nossas sensações.
Ouve,
Não tenhas medo,
É um poema,
Não fujas dele mas corre ao seu encontro,
É uma flor desabrochando,
Um teorema,
Que tu vais desvendar ponto por ponto.
Juro, é parte de ti, ser consciente,
E o lençol de todas as nascentes.
E ouve,
Não tenhas medo,
É um poema,
Espera por ele à noite na ruela,
Deixa-te embalar ao som do vento,
Faz dele emblema,
Põe-no na lapela,
Enquanto docemente passa o Tempo;
O Tempo que tu sentes mas não crês
Que possa, palpável, existir…
(Poder sonhar é também poder rir!,
Poder sonhar…)
…
Depois senta-te e ouve o que sussurra,
(Com voz doce, calma, prasenteira)
Quase inaudivelmente ao teu ouvido:
«Eu sou o mar das tuas noites escuras;
Quando subir ao céu a lua cheia,
Quererás tu partir comigo?».
Lisboa, 16/07/96
Deixei-me absorver no teu retrato –
Que linhas!, Que feições! Tamanho porte!
E de joelhos, com submisso aparato,
Qual provençal jogral faço-te a côrte.
Poemas, Endechas, cantilenas,
Sofridos gemidos interiores,
Mortes de amor, desmaios, grandes penas,
Celebrados em versos superiores!
«Princesa – diziam – És o meu tormento.
Sucumbo. Padeço. É uma agonia.
Aqui, nos rins, sinto um golpe imenso;
Alí, nas veias, uma apoplexia.
Dá-me um auspício , não sejas tão fria,
Tão régia, tão deíca, amuada!
És o meu terço por onde, a cada dia,
Rezo às Forças Maléficas do Nada.
Alva mulher, do marfim mais puro,
Puro demónio que Deus renegara,
Teu brilho mítico ilumina o escuro,
Teu olhar esfingíco turva as manhãs claras!
Flor rara da maior montanha
Que resiste à neve e ao temporal,
A tua graça lírica é tamanha!
O teu perfil tão fenomenal!
Fídias em vão ostenta os seus trabalhos
Às gentes ocupadas deste Mundo –
Se vissem teu retrato, sem detalhes,
Mesmo na distância, num segundo,
Logo faziam de ti o seu modelo
De Beleza Ideal e de postura:
O passo leve, o arranjo dos cabelos,
Tudo em ti redifine a formusura!
Sim, figura da tela, tu és tremenda!
És fogo brotando nas candeias,
Ninfa coberta da mais fina renda,
Grossa contusão nas minhas veias!
Sim, és bela, Deusa fabulosa!,
Fustigas, cegas, perdes homens bons
Com a tua doce voz melodiosa,
A harmonia incrível do teu tom!
Ninguém o nega (Oh!, Quem poderia!)
Ninguém sequer resiste aos teus encantos!
Em ti as minhas faltas já se espiam,
E tu és o motivo dos meus prantos:
Fruto somente, semente que nasce
Da farta terra p’r’ áscender aos céus,
Tirana!, fazes com que o Sol se agache,
E trema como Macbeth tremeu
Quando veio p’ra si toda a Floresta
Levá-lo para o Reino dos Defuntos –
Porque é a tua graça tão funesta
E são tuas carícias um conjunto
De dores e desgostos e torturas?!
Ah!, minha ilusão, esfinge encoberta,
Senhora de tão clássica figura,
Górgone, Dríade ou Clitemenestra,
Ganha compaixão dos meus gemidos!
Não me deixes a definhar assim!
Mata-me num lance destemido
Ou sai desse retrato empedernido
E vem, qual cera, derreteres-te em mim!»
Lisboa, 15/04/93 – 10/12/00
Agora para Angola só de barco ou explorando a penantes o lindo esplendor da Savana. Segundo o Gume apurou (no intervalo quase lúcido entre dois grandes sonhos muito turvos e de verdade incerta), os formidáveis e democráticos lideres angolanos, o Primeiro-Ministro Fernando da Piedade Dias dos Santos e o Presidente José Eduardo dos Santos - dois estrategas dos diabos! - já vieram dizer:
«Nós prêtêndêmus isólár-nus cádá vêz máis! Nós não quêrêmus ki us brráncus êurôpêus vênham átrápálhar u nóssu grandi prógréssu e rôbar nóssás riquêzás! Está 'rêtáliáçãú (mêdidá arrrôjáda, mátrêirá, córájósá i géniál') é écónómicá, 'sicólógicá e póliticámênti pósitivá. Êm 'rêsumu, é póssivel' dizêrr', sem mêntirá algumá, ki é umá grandi médidá!
U Simpáticu Ministru Pórtuguês dus Transportis, Máriu Linu, nóssu amigo da Lusotretáfóniá, já vêiu gárántir, 'rrépitu, gárántir, qui ia gárántir isforçus párá nus ájudar á não si préjudicár si nós ficármus néssá listá négrá di não sábemus bêim u ké déssá Cómunidádi ki chámam Êurôpêia. "Médidá Ispérta, irmão brráncu dá lusótrêtáfónia", nós êxplikámus com riso ámigávél i dóis pérfumádus xárutus ao nóssu grándi ámigu Linu. "Pórki", êxplicámus áindá, "pórki si nós não nus sáfármus com esti bláffi abisurdu, ábusandu dá nêcêssidádi dus mânus pórtuguêsis di vóar pár'áki, si não nus sáfármus, bêim, meu bôm, póvu: Ángóla pódi fikár isólada du Mundu: Más muito préjuízu vái côrrer'! I êntão, ámigu Lino, não sêrvirá di nádá vir súplicár nossa frátêrnál ássistência!"
Viv' ás mêdidas tôlas! Viv'Ángólá ò gênti!»
--------------------
Fim de Discurso.
Última Nota:
Não se vê bem (a lente do satélite (que não a tem bem) estava desta vez desfocada), mas, a linha vermelha que circunda Angola (ou o vermelho que a distingue lá em cima no mapa, no canto superior direito), é/são (como se vê pelo ar - visão que já me traz saudades!) a estrutura pesada de uma grande e alta rede de arame farpado que circunda este país que, com cada vez mais categoria (que triste categoria!), sacrifica a evolução do seu povo pela rigidez obtusa do que não é sequer um ponto de vista. Podiamos talvez falar, em benefício da dúvida, de uma questão de princípio... mas, crê o Gume (sempre descrente e azedo) "um valor mais alto se alevanta"... (Perdoa-me Camões este furto bárbaro!)...
Ó Sacrossanta Inteligência!
Seremos, Lídia, como dois amantes, de mãos enlaçadas, seguindo, com os olhos, o curso de um rio. Sentemo-nos e sintamos. Contemplemos o seu curso e admiremos a corrente que corre para onde quer:
Dada a dificuldade apresentada, o Gume achou por bem esclarecer o equívoco da Exma. Sra. Dra(?) D. Deputada (o Dona está a mais como todos os outros títulos por isso, em nome do supérfluo, deixamo-lo ficar). Convido-a portanto a considerar, Exma. Etc. Maria Antónia Almeida Santos, que, havendo muita gente (tanta, infelizmente!, e então em Portugal!) vergonhosamente desqualificada pelos mais variados motivos e nas mais variadas matérias que está longe, muito longe (para o bem e para o mal) de ser do PS, também é certo que neste PS em particular parece, de momento, verificar-se (quase cientificamente - mas todos sabem como a ciência é turva e enganam as maldosas aparências, mesmo as de laboratório!) que:
«[P]or se ser do PS» (e em particular do Governo e respectiva bancada parlamentar mecanicamente concordante) "é-se desqualificado" de (o chamado tríptico dos Is):
Inteligência
Integridade
Inalienável Respeito pela Liberdade de Expressão.
Esta constatação é subjectivamente empírica na sua ciência e, como tal, aos seus olhos doutos, desprovida de credibilidade. Ainda assim, ache a Exma. Etc. o que lhe aprouver achar, siga o seu próprio exemplo:
Meta uma rolha no seu ridículo protesto e tenha este post em consideração.
Cumprimentos,
O Gume.
...................................
I
Tens o sono,
Tens a vida,
Tens a morte…
II
Pouca-sorte, pouca-sorte, pouca-sorte…
III
E por ti espero ao longo dos meus dias,
IV
Como espero?
Porque espero?
Por que espero?
De quem espero novas novas de alegria?
V
Pouca-terra, pouca-terra, pouca-terra, que agonia!
VI
A espera é o lugar do desespero em que se antecipa a morte e a vida se adia.
VII
Pouca-sorte, pouca-terra, pouca-sorte, paranorte passaporte paraamorte,
Papaléguas, dámetréguas, dámevidas…
VIII
Pois…
Tens o sono,
Tens a vida,
Tens a morte…
Tens talvez a fome de ganhar…
VI
E que sorte não teres sorte para amar!
(Lisboa, 17/12/99)
Nota Parcialmente Explicativa: Esta colagem hedionda chegou ao Gume por Correio regular. Não tinha remetente. Quem souber explicar o sentido oculto deste cubismo ultrajante e miserável que se chegue à frante. De nossa parte aguardam-se notícias, que se pedem urgentes. Eis, pois, os contactos essenciais da Linha Gume Directo para toda e qualquer informação:
Hoje o Gume faz Greve de Fome.
«No Comment is my way to Comment», disse um anónimo inglês do século XIX quando viajava na América do Norte.
Subscrevo-o.
Silêncio para toda a gente, que o Governo está a passar.
Depois sim arremessem pedras.
Que sono! Nada apetece! Esta noite vou fugir de todas as obrigações e deitar-me já. A cama, estendal do Sono, é o que mais se assemelha a um caixão. Nela há paz. Nela o meu sossego. Nela eu acho tudo o que a vida não traz... O Sonho que há no Sono, que bem faz!
(Lisboa, 09/12/99).
I
Em frente andamos com as mãos atrás das costas
E as esperanças volvidas p’ra poente.
Em frente erguemos os gumes da revolta
Pondo nas mãos do Mundo o nosso ventre.
Em frente vamos, p’la glória que é devida,
Recolhendo[1] o fruto da semente.
Em frente recuamos, depondo a nossa vida
Nas mãos daquele Deus que não se entende.
Lisboa, 24/12/98
II
Avançarmos na vida
É recuarmos p’r’á morte.
O perurso era armadilha;
Pouca sorte…
Paris, 10/06/04
III
Avançar com a Fé
É recuar com a Razão.
Avançar com a Razão
É recuar com o Sentimento.
Avançar com o Sentimento
É ser caos, exaustão,
Um Labirinto por dentro.
Se, quando avanço, recuo,
Para quê o Movimento?
Paris, 10/06/04
[1] Nota do Autor: Com as mãos…
.
O Manifesto do Segundo Gume
.
Os Gumes dos Outros
A Arte da Fuga (António Costa Amaral e Adolfo Mesquita Nunes)
Abrupto (José Pacheco Pereira)
A Causa Foi Modificada (Maradona)
Albergue dos Danados (Anónimo)
A Montanha Mágica (Luís Miguel Dias)
A Natureza do Mal (André Bonirre)
And Now For Somsen Completly Different (Miguel Somsen)
Antecâmara (João André Farinha)
A Origem das Espécies (Francisco José Viegas)
Apostos (Alexandre Soares Silva)
As Aranhas (Luís Miguel Oliveira)
A Terceira Noite (Rui Bebiano)
Avatares de um Desejo (Bruno Sena Martins)
Bibliotecário de Babel (José Mário Silva)
Blogo Existo (Joao Pinto e Castro)
Beluga Fresca (Augustus Schadenfreude)
Blue Lounge (Rodrigo Adão Fonseca)
Bomba Inteligente (Carla Hilário de Almeida Quevedo, a.k.a. Charlotte)
Complexidade E Contradicção (Anónimo)
Contra A Corrente - O McGuffin (Carlos do Carmo Carapinha)
Da Literatura (Eduardo Pitta e Joao Paulo Sousa)
Deserto de Almas - Onde Há Devastação Há Oportunidade (Pri)
E Deus Criou A Mulher (Miguel Marujo)
Há Vida em Markl (Pelo Próprio Markliano)
Hoje Há Conquilhas, Amanha Nao Sabemos (Tomás Vasques)
Homem A Dias (Alberto Gonçalves)
Janela Indiscreta (Pedro Rolo Duarte)
La Marge Brute (Clément Oubrerie)
Life And Opinions Of Offely, Gentleman (Gustavo Offely)
Listening 2 Dragons (Silmarien)
Melancómico (Nuno Costa Santos)
Mel Com Cicuta (Laura Abreu Cravo)
O Avesso do Avesso (Filipe Moura)
O Blog das 3 Alminhas (Pelas 3 Ditas...)
O Blog do Desassossego (Leididi)
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Sem Pénis Nem Inveja (Teresa C.)
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Terapia Metatísica (Filigrana)
Voz do Deserto (Tiago de Oliveira Cavaco)
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The Heart Is a Lonely Hunter (Pedro)
Vontade Indómita (Anónimo Indómito)
We Have Kaos In The Garden (Kaos)
Welcome to Elsinore (Carla Carvalho a.k.a. Carla de Elsinore)